14 de abr. de 2011

Lírios

Tudo o que se podia ver naquele jardim, eram os lírios brancos. Por mais que se plantassem outras sementes, só vingavam os lírios. Vovó sempre disse que a terra era boa, mas nunca soube explicar por que só nasciam lírios. Como de costume, sentávamos sempre ao sopé de uma jaboticabeira para ouvir as histórias de Tia Maria ao sabor do vento fresco que corria livre naqueles campos. Era tão bom. Suas histórias sempre nos falavam da vida dos animais e dos espíritos que protegiam a natureza. Ela jurava de pés juntos que, várias vezes, já vira um duende brincalhão perto das bananeiras. E então, sentados, todos, eu, meus primos e meus amigos sob a sombra daquela jaboticabeira tão frondosa, nos deliciávamos com a voz baixa e rouca daquela senhora. Mas, por mais que eu desviasse o olhar, ou tentasse prestar muita atenção às histórias, os lírios brancos me conquistavam os olhos. Eu os olhava penetrantemente e o tempo passava rápido. As nuvens fugiam das montanhas, o sol se assustava e ia embora de mansinho, junto com ele o dia e a lua crescia redonda, brilhante, para proteger o sono dos passarinhos. Lembro da minha pele fria. Vovó chamava da varanda – Vem colocar um casaco, menino, ou vai ficar resfriado! Eu? Obedecia. Saia correndo com os pés descalços, sentia cada gota de orvalho molhando os meus pés naquela grama alta e já sabia – Cuidado pra não cair, menino! – mas não adiantava. O coração apressava o compasso, o cheiro de grama molhada tomava conta de mim e logo estava na varanda. Como sempre, Vovó dizia que eu tinha de tomar banho se quisesse sair para brincar com a molecada. Lá ia eu. Entrava no chuveiro, doido para sair. Olhava pela janelinha e lá estavam eles, os lírios. Lindos. Cada um maior que o outro. De noite, ficavam ainda mais belos, pareciam Ter sido pintados de prata pela lua. Perdia um tempão com o chuveiro ligado. Tia Maria então dizia – Sai logo desse banheiro, menino! – Aí, eu tomava meu banho às pressas. Chegava a queimar aquela água geladinha nas minhas costas. O sabonete cheirava doce, lembro bem. Rapidamente eu me aprontava. Sabia o que estava há minha espera. Eram bolinhos de chuva! E nem precisava chover. Bastava eu estar lá. Que delícia. Então eu ia pra rede da varanda e comia um monte tomando chocolate. Olhava ao meu redor e tudo era harmonioso. As árvores do pomar, os campos, os muros fortes da casa da Vovó, os amigos e familiares... por fim, o jardim. Majestoso. Eu tinha tanto apreço por aquele lugar, que numa tarde quente, eu pedi pra Tia Maria falar com o duende dela pra não me acordar que eu ia tirar um belo cochilo no meio dos lírios. Foi o melhor cochilo da minha vida. Que perfume gostoso. Aquelas flores me recebiam tão bem. Eu não tinha vontade de acordar. Até que Vovó ia lá perto e chamava – Acorda, menino, o café tá na mesa. Fiz bolinho de chuva que você gosta, anda. Ela sabia me conquistar. E bem. Eu comia muito, mas Vovó fazia tanta coisa que parecia que eu não tinha comido nada. Ela reclamava, falava pra eu comer pra ficar forte e crescer. Até que chegavam os momentos de noite eterna. A casa ficava escura. Tia Maria esquecia das lâmpadas e só ascendia velas pela casa. Daí é que eu me dava conta que Vovó nunca mais tirou aquele vestido . Que Tia Maria sorria muito pouco. Meus amigos? Sumiam de repente... um moço estranho vestia elas de branco, cantava musiquinha e colocava elas pra dormir. Eu ficava com muito medo e corria pra ver os meus lírios brancos. Mas quando chegava lá, eles estavam todos mortos, murchos, queimados, feios. Eu chorava bastante, até que o dia resolvesse nascer. E eu sabia que não precisava esperar muito. Vovó ouvia meu choro. Levantava, colocava o vestido de sempre, me dava carinho e dizia assim:

- Não Chora. Vai ficar tudo bem.

E lá estava eu. Sentado ao sopé daquela jaboticabeira, sentindo o vento fresco da manhã, olhando pros lírios daquele jardim com medo do futuro. Com medo de mim.

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