3 de jul. de 2017

Téspias

O semáforo. Um risco.
Na pulsante trajetória
O aço. O poste, um bicho.
Enluarada a chama
A noite molha a grama, o traço
Um rio me faço, sou eu!
Diante do sim.
Nas águas, a um passo
Sem roupas faz frio aqui.
Não te vejo, não há ninguém.
Sou flora. Sou fauna, amor.
Sou pronome, sou quem
E nada há além de mim.
Mergulho. À sorte, entregue,
Malte e embriaguez.
Sem sorriso branco,
Sem pés, tu que és nudez
Cala minha sina. Não negue
meu fôlego assim.
O sangue na estrada
enfeita o tu, que sou eu
Que abranda. Que seca.
Que é nada. E no pesadelo
da vida, mais tira que afaga
Corta o juízo, me encerra.
Afoga. Regenera. Me encanta.
Ouço sirenes... sereias.
Este é meu rosto. Meu universo
Eu texto, testo. Mais um verso.
Estilhaço e fim.

20 de jun. de 2017

Cena póstuma

Esse olhar, essa cascata,
É corpo.
É leve.
E me grita
Um universo todo nosso
Um caminho, uma roça
Uma rima.
Que há de colorir nosso sorriso
de clamar pela chama
Anuviar o pensamento,
de bater no coração de quem ama.
E se no brilho das estrelas nos vejo,
Se no cair da noite lhe abraço,
Se há dança em mim, um desejo
É pelo tempero pelo gosto do afago
Que é o nó da garganta o casaco
No passo da lama, é Frida
No silêncio do quarto me calo
Desenhando o amanhecer de mais um dia
Que se eterniza ao findar comigo
Na morte ao chão, num lago ou piscina
A revelar o novo, o pesar, um descanso
Trazer ao começo, outra sina.
É quando toca o sino que "eu te agradeço"
Quando limpo a alma que sinto no corpo
Ouço em você o meu choro
Nos faço uma bossa, padeço
Pra cantar contigo de novo e de novo...
Mas pra descer à vida vazia
So tenho a fazer um pedido
Não me deixes
Some comigo
Se meu imã.
E se o mundo então nos unir
A palavra rasgar, sangrar ferida
Me toma em teus braços
Me erga, me lance, me afunde em ti
Porque se no palco é à vera é amor
O meu ensaio dolorido é na vida.

26 de mai. de 2017

Eu

Pra tudo o que toco,
Que vejo,
Existe um punhado,
Um lampejo
Do que resta da alma
Tardiamente
É desejo,
Dos que molham os sonhos da gente.

16 de abr. de 2017

Carta a um desconhecido.

Oi. Meu nome é Bruno F., e apesar de ja ter tido outros nomes, este é um dos que mais me agrada. Tenho 34 anos. Sou ator, poeta, instrutor de idiomas, às vezes servidor público, mas jornalista com certeza, e embora não me sinta tanto, humano também. (Rsrs) Minhas especializações são em cultura e política internacional, mas nem sempre foi assim. O Rio de Janeiro e suas paisagens me motivaram a construir este caminho, sabe. É tudo parte de um quadro. Como daqueles que vislumbro deitado em minha cama olhando pra janela... É bem isso. Eu consegui transpor para o meu quarto elementos inconscientes de minha cidade. Sempre esteve tudo ligado. Desde o contraste das tintas na parede à espada que guardo dos tempos de arte marcial quando fui atleta. Ah, esqueci de mencionar esta parte. Vou tornar as coisas mais lineares.

Imagine que alguém pode acordar e ver, diante de si, do alto de uma daquelas camas de viúvo, cujas medidas não são tão curtas quanto as de solteiro, nem tão grandes que te façam sentir a solidão que um viúvo deve sentir por ter sido arrancado dele um grande amor, uma cama na medida da saudade, a cidade. Na cama, um indivíduo. Este sou eu. Ao abrir os olhos na direção da janela, de duas abas internas de madeira e vidros abertas, com outras duas de ripas de madeira, externas, fechadas, tudo o que se vê é a luz do dia atravessando timidamente as frestas enquanto a parede de tinta azul me observa silenciosamente. De maneira curiosa ela tem dois tons de azul. Uma chuva forte de verão, chuvas sinceras, das que carregadas de pingos grosseiros e rajadas de vento revelam os defeitos em qualquer construção, adentraram meu quarto. Eu senti a natureza e sua delicadeza. Era como um chamado de pertencimento. - Aqui, na cidade maravilhosa o clima é quente, mas dependendo de onde se esteja, ameno. Agradável. Nos tempos de calor eu nunca me sinto confortável, mas nos dias mais frios me conformo. - Essa chuva fez que eu precisasse fazer um pequeno reparo na janela e na parede, mas eu não tinha mais a cor aplicada anteriormente, então usei outro azul na metade inferior da parede. (Rsrs) Não ficou tão ruim, prometo, mas eu tenho desde então uma parede azul em dois tons que são exatamente como a discrepância que existe entre a zona sul de minha cidade e as zonas outras, numa das quais eu resido. Minha casa é bastante confortável, é verdade. Não posso reclamar. Mas em nada ela se assemelha aos apartamentos de mais de milhões de reais de Ipanema, por exemplo. E essa distorção de tintas está entre as pessoas. Sua pigmentação não diz sobre elas o que verdade alguma poderia contestar. E no Rio a obviedade do preconceito é tão velada quanto são os urubus orixás devorando suas oferendas. Os jornais, as revistas, as histórias do cotidiano contam o que se vende, idéias. A verdade está em todo o restante que não se escreve. E por isso me tornei jornalista. Mas poeta foi antes, porque essa dor, essa utopia já me ganhava desde os primeiros dias de amores infantis na escola. Respirava poesia e ela me possuía de tal forma que a inspiração não era minha, mas do outro. Do ar ao redor. Da saidinha às lojas de departamentos no recreio. Dos ônibus lotados em pleno calor de 40. O caos do Rio me fez poeta antes de jornalista. E se pra toda cena de beleza na orla ou cada espaço de invisibilidade no centro existe um autor, me fiz ator. A pluralidade de indivíduos, e culturas, e situações fazem dessa cidade confusa capital do desajeito. As favelas que se construíram ao redor do dinheiro. A ferrovia que corta na carne a vida de todo trabalhador. Não existe cenário mais diverso e bonito. Toda vez que passo por uma favela vejo o pulsar de seu cerne. A vida que ela respira. Não pelas pessoas, mas sua arquitetura. A favela está viva. Os homens são só microorganismos. Ela cresce e se expande de acordo com a necessidade de sobrevivência e toma espaço. E quando olho pro canto onde tenho meu computador, vejo a favela de cadernos e blocos de escrita com pensamentos tão diversos que não fossem celulose animada por tinta falariam de suas verdades à vizinhança.

Mas enquanto os anticorpos da favela lutam contra os do asfalto, o por do sol do Arpoador permanece. E porque é tão lindo e íntimo, guardo numa das paredes do meu quarto, justamente na oposta à janela, uma pintura. O por do sol para onde já me transportei inúmeras vezes. Ele é tão real e bem vindo que na falta de um através da janela, me contento com ele. Assim. Imaginário mesmo. Assim é o Rio de Janeiro. Imaginário. Por novelas e filmes e publicidade. Nada por aqui é Copacabana a não ser ela mesma. A pobreza não reside no Leblon. Mas o carioca é povo bravio. Na areia da praia somos todos biscoito Globo, mate gelado e futebol.

O Rio de Janeiro não é minha cidade favorita. É meu berço. Onde vivo. Onde nasci. Talvez, como toda criança que cresce eu já tenha conhecido outros lugares e descoberto meus gostos. E como todo filho pródigo retornado a este lugar. Retornado ao meu quarto de onde vejo favelas, desigualdades, violência e insegurança. De onde respiro o amor intenso e a beleza de um por do sol. É aqui que absorvo a energia para viver mais e mais uma vez ser poeta por onde passar.

Tome o Rio como um sorvete. Doce, gelado e molhado. A sensação é maravilhosa por quanto ele não derreter. Ele vai te exigir pressa para aproveitar tudo o que pode oferecer antes de te forçar a lavar as mãos.

6 de jan. de 2017

Música

Esse pulsar, esse gemido
É como um feixe de luz aturdido
Pela maciez da pele mais tenra,
Pela tranquilidade amena dos beijos teus.

É o texto escrito na veia
Sem palavras capazes de o despertar,
Nem viagens, nenhum outro amor
Ao castigo óbvio que não desejo sofrer.

O corpo dança de letra vazia
Porque movimento nenhum me espanta
Quando a música toca tardia

Na madrugada, no banho, não adianta
Me toma por dentro e rasga, recria
O que antes não havia e hoje me encanta.