28 de dez. de 2016

Abuso

Ressoa por dentro de mim o sentido,
um eco de um outro eu.
Que remonta, restaura o motivo
A partir de tudo o que se perdeu.

E são nulos os descaminhos
De vidas, artérias... e noites de fim.
Sem registro, nem horas, suspiros tardios
No suor do sexo, gemidos de sim.

Porque se estou por completo
Sinto a verdade derradeira
Da memória a fagulha, a centelha

Que me dirige ao futuro concreto
Donde bebo do pulsar incerto
Neste espaço, o gozo de uma vida inteira.

8 de dez. de 2016

No que insisto

Não espero canções,
Nem abrigos.
O descanso é póstumo
Em rabiscos vazios,
Numa cama desfeita,
A ilustração perfeita do ser.
Não existem versões,
Nem castigos.
Esqueça os pecados,
Detalhes lascivos,
A visão é estreita,
A quem se quer poder ver.
É no estilhaço da fome
No fragmento da alma
Na paixão aturdida do homem
Que mora o poeta.
No desespero da sina,
No silêncio do acaso
Maqueia voraz sua trama.
Mas na voz ferida
Teme o cansaço
Do avesso do espelho
No contrário do beijo
A imagem fria do quarto.
E é sem perceber,
Que se concebe à vida
Um lugar a que pertença
Em palavras imensas
Ou no coração de quem ama.
Mas se morre o poeta
E não chega seu fim,
Liberta-se o tempo,
É no que insisto, o que invento
O sonho é tudo pra mim.

25 de ago. de 2016

Insônia

O abismo é célere.
Não há tempo.
Nele o som se perde
O silêncio que aguento
É o princípio, um retrocesso
Ao início do fim pelo avesso
De um lugar sem fim
Nem começo
De onde vejo a luz
Pelo inverso.

25 de jul. de 2016

Carioca de Janeiro

Enquanto o sol brilhar
uma praia
Enquanto o asfalto queima
um par de pés descalços
Enquanto a dor durar
uma bala
Perdida a quem quiser um amor
duzentos contos.

Pra toda vez um samba
a tocar um sorriso
Pra todo fim de tarde
o aplauso
O horizonte pra se amar
paraíso
Pra toda confusão
uma favela e um causo.

No trem que corta o subúrbio
Suor, calor e água a um e cinquenta
Na avenida que abrasiléira
engarrafado por duas horas
Na voz que grita sozinha
pode ser praça, e Saens Pena
No abrigo que alimenta e suporta
uma rua a chamar de nossa

Se num balanço de quadril
na marquise é puta
Se num abraço de afeto
no viado é porrada
Se nunca antes na vida
é bróder de estrada
Se numa cidade falida
é exclusiva, única.

Se é carioca,
o lado importa a poucos
O iPhone de uns
É sempre o nada de outros.

13 de jul. de 2016

Nu

Despir-se é lento
Como encostar a navalha morna
Como abrir os olhos
Beber água gelada
Caminhar na areia molhada
É distinguir entre uma coisa e outra
Uma temperatura nova
Uma textura
É uma volta de relógio
O ponteiro não importa.

6 de jul. de 2016

Desesperança torcida

Hoje, ela não me reconheceu. Sempre que passava pela rua de Dona Gê ela me acenava de forma vivaz. Jota, seu neto, foi amigo de infância, daqueles que disputavam a bola "dente-de-leite" no campinho rala coco da rua de baixo. Sempre muito entusiasmada, Dona Gê parava em algumas ruas do bairro e se punha a conversar nos portões dos vizinhos os assuntos mais diversos. Na maior parte do tempo o tema era a vida de alguém. O carro novo, casamentos, brigas, o que mais pudesse ser alvo de seus comentários. Quando conheci Dona Gê, ela já tinha cabelos brancos. Tantos, que não havia tinta que desse jeito. Depois de 30 anos passando por sua casa, quase todas as noites, tornou-se hábito o aceno, um "Como é que vão as coisas?", um "Seguem muito bem, obrigado!" e às vezes apenas o meio sorriso de ambos junto do aceno. A cada ano acompanhei Dona Gê no quintal de sua casa. Quase sempre o estava lavando ou varrendo. Até que em um belo dia a vi sentada. Vê-la sentada tornou-se mais comum. O aceno nunca faltava. O "olá, vizinho" nunca lhe faltava. Depois ela passou a esticar-se na cadeira, na tentativa que eu passasse, mas não fingisse não vê-la. Eu sempre a notei, sempre. O pescoço curtinho naquele corpo de estatura muito baixa. Ela nunca deve ter passado dos 1,60. Mas hoje, Dona Gê, num esforço sobre humano, a julgar pela maneira com que franziu sua testa marcada pelo tempo, não me viu. Talvez não tenha me notado. Ainda há pouco ela não dizia mais nada. Apenas acenava. Seu sorriso se apagou no tempo. Mas o aceno... aquele aceno hoje fez falta. Dona Gê não me reconheceu. O fim de dia tornou-se vazio. Essa é a vida. Um punhado de efemeridade, coisas que fomos... esquecidas, por aí...

15 de abr. de 2016

A censura silenciosa da não-consciência

Em tempos de complexidade política para uma sociedade jovem e desinteressada destas questões, o milagre da multiplicação de verdades, bandeiras políticas hasteadas em retrocesso e cientistas políticos pareceria alarmante não fossem os artifícios científicos das ciências humanas que estudam tais fenômenos dentro das mais variadas áreas que compõe seu conhecimento, seus saberes.
O "como chegamos a este ponto" é, talvez, o ponto mais importante de todo o processo que se descortina diante dos fatos subsequentes. Poderíamos abordar a questão de óticas variadas, até mesmo pelo contraponto, mas o referencial teórico sério é evidentemente favorável à abordagem crítica (etimológica) do momento em que estamos inseridos.
O posicionamento inflamado e extremista vislumbrado atualmente, no Brasil, não indica um movimento de apreciação do cenário político, de interesse pela matéria, muito pelo contrário. Indica que as ferramentas utilizadas pelo Poder se aperfeiçoaram, quando denotadas as redes de articulação virtual. Chamamos de "redes sociais" sustentados pela falácia da livre interação, da anarquia do sistema. Engana-se aquele que nunca tivera um post cerceado pela equipe proletária que executa as ordens de seu patrão, que do topo da pirâmide garante a sensação de anarquia e ainda, disfarça que dentro de seu produto o império é evidentemente dele. A rede termina por social, pois é uma sociedade inteira contida em si mesma. Possui organicidade e dinamicidade, e, por esta razão nos desperta interesse influenciando de maneira irrefreável as discussões sobre os temas de sua Agenda.
A mídia, então, financiada pelo capital utiliza-se destas ferramentas em defesa do status quo e o fato não é novidade. Ameaça-se a ordem e lá estarão os paladinos da manutenção do sistema. O apoio da mediocridade também será, por excelência, imediato e contundente como bem preconiza o princípio que os rege na cadeia de dominação, são pois, os comandados, reféns, os que nada concluem, os repetidores, os que fazem a roda girar por serem engrenagem sem se dar conta.
Neste cenário virtual donde se observa o mimetismo do real, sem ser arte, em que imagens representam felicidade e revelam o vazio contíguo dos seres humanos, observamos a censura silenciosa da não-consciência quando ao optar pela não-manifestação de posicionamento e criticidade, o cidadão virtual assume para si uma estratégia. Ela poderia ser chamada de inconsciente não fosse o fato dessa escolha querer parecer inconsciente. As razões são múltiplas. O desconforto do confronto infrutífero, a tentativa de se abster do constrangimento em relação ao outro, a preservação das relações assépticas. Mais uma vez, a manutenção do sistema. Logo, faz mais sentido falar da não-consciência para figurar a motivação por detrás da escolha, que culmina na censura silenciosa que se alastra nos mesmos meios cibernéticos como resultado da banalização imposta pelos meios de comunicação de massa.
A evidência do "like" é muito mais reveladora de caráter para o outro que uma longa conversa sobre convicções e afetos. É a manifestação de instintos básicos de sobrevivência que mudam de meio, mas permanecem mensagem.
A censura silenciosa da não-consciência, por tanto, é a escolha fundamental da mediocridade quando os meios de comunicação financiados pelo capital banalizam um tema de sua Agenda estendendo suas reflexões às redes sociais, fazendo com que a maior parte deste grupo busque no entretenimento e no consumo, os elos de interlocução e identidade social para amenizar o estresse social, sua tensão nos espaços de conflito. A censura relatada faz por restringir os embates às elites (intelectual e econômica, por vezes antagônicas) e à classe média, que se vislumbra emergente diante da possibilidade de contribuir com a tomada de decisão do topo da pirâmide social baseada no seu poder de compra como uma grande força uniforme, homogênea. O resto é publicidade.
Se o silêncio do outro nos perturbar a paz, então, tenha em mente que sua escolha deliberada pela censura silenciosa da não-consciência buscava contudo, evitar o constrangimento de discordar de você, não por ser superior, mas por não possuir subsídios para sustentar uma conversa que embora ele não desconheça por completo, fora contada a ele por uma única fonte, uma única versão, talvez. Somente talvez...

O dito e o não

Nas sombras de um dia
Aos olhos de um outro,
Arrastam-se os nãos
Enquanto gira uma vida.
Afogam-se as alegrias
E tudo o que se haja feito
Torna-se por hábito
O que não tem sentido
O que não faz amigo
O que não tem retrato
O que se põe sozinho
O infeliz desabafo
Das escadas o desafio
O raiar de sol que aguardo
O abraço nunca sofrido
Distante, a um braço
Daquilo que quero comigo
Do que a vida tem por destino
No papel só um traço
Que danço chorando e sorrindo
Mas que bebo em ardor o bagaço
Cedo ou tarde, vindo ou partindo
Rasgo do peito dorido
A felicidade arregaço.

16 de fev. de 2016

Eu, a Razão e o Tempo

E o tempo?
Ele nos espreita sem pudor
Não se detém.
Não se finda, não muda... nada.
E o tempo?
Lamenta.
Porque somente quem vive
Tem a dádiva de passar.