15 de mai. de 2014

É preciso ter fome?

"Agora que vagabundo vai mais é fazer filho! Trabalho que é bom? Duvido! O 'Bolsa Esmola' sustenta o vagabundo enquanto eu, trabalhador, perco dinheiro. O Governo só sabe tirar o meu dinheiro pra sustentar vagabundo, isso sim!"
Quando ouço frases desta natureza, em diálogos para os quais não fui convidado, digo diversas coisas para mim mesmo. Coisas nem tão ofensivas, coisas do tipo... Do tipo perguntas. Perguntas nada capciosas. Perguntas do tipo... Do tipo ingênuas. Exemplifico: será que este sujeito sabe do que está falando? Olha que esta é apenas a primeira delas. A primeira pergunta sim, que fica martelando na cabeça mesmo que eu comece a dizer pra mim mesmo as inúmeras outras que eu falaria para ele, tal qual uma beata em ladainha.
Em termos emocionais, eu me envergonho. E não é exatamente pelo sujeito desconhecer o que significa a Bolsa em si, mas por eu não poder fazer tanto quanto gostaria para que tal absurdo não fosse reproduzido, para que o sujeito, este que falou a abobrinha, compreenda finalmente do que se trata a política.
Como se houvesse alguma esperança, continuo perguntando. Pergunto: se uma família que ganhe menos de 70 reais por pessoa e que tenha dois filhos, e logo, receberia apenas 134 reais por mês, gostaria de estar nesta condição? Será que ele sabe do que está falando? Essa família gostaria de não trabalhar? Deseja profundamente manter sua dieta equilibrada com 134 reais formidavelmente poderosos todo mês? Será que ele sabe do que está falando, repito a mim mesmo incansavelmente. Me pergunto: com quantos poderosos reais aquele sujeito, o da abobrinha, que não deve saber do que está falando, faz compras todo mês? Claro, se ele tiver dois filhos para que a comparação fique razoável, melhor. Não vale ser apenas um casal e dois cães, por exemplo, hein. Nem vale ter uma renda média de... Pelo menos um salário mínimo, porque a graça da piada é que cada membro produtivo da casa ganhe a montoeira de 70 reais. Será que ele sabe que a Bolsa tem um limite pra tanta dinheirama? Tipo... 306 reais? Os quais servirão para alimentar pelo menos cinco filhos, fora algumas outras questões que devem ser atendidas para que o benefício chegue às cifras milionárias que cito. Não. Este sujeito não sabe.
Ele não sabe que esta política custa apenas, eu disse apenas 1% - em valores aproximados - do orçamento da União. O que este sujeito não sabe, é que o programa que ele tanto critica é absolutamente emergencial e tem como prerrogativa garantir renda familiar mínima para que pessoas muito pobres possam comer, e que se assemelha também, ao pacto de bem estar social que muitos países europeus adotam, só que em menor escala, sem qualidade ou glamour, claro. Não sabe também que para receber o benefício as crianças precisam estar matriculadas em escolas, com presença adequada, e, vacinadas. Infelizmente, vacinadas não sobre a sociedade mesquinha que as quer ver morrer de fome, é contra outras doenças que matam tanto quanto, mas doenças mais generosas porque verdadeiras, não escondem suas reais intenções. Além disso, o que este sujeito não sabe, é que milhares de pessoas deixaram de receber o benefício voluntariamente, porque conseguiram, de alguma sorte, receber algum dinheiro que fosse para substituir a fortuna que recebiam antes.
Este programa poderia ter sido idealizado por qualquer partido político, já que nenhum deles te representa. Aliás, você sabe mesmo do que está falando? E tipo, por que nunca foi pensando antes? Hoje, nenhum partido... Nenhum! Daqueles, aqueles mesmos que não te representam, cogita exterminar com o programa enquanto houver pobreza crônica e uma razoável má distribuição de renda no Brasil. Pergunto: você sabe do que estou falando?
Depois de tanto conversar sozinho e ver o outro sujeito assentindo com a cabeça como quem acha que esclarecer é ofender ou discutir miseravelmente, ou ainda, que o senhor das abobrinhas está com a razão eu me pergunto, além das milhares de coisas habituais, uma última pergunta: para entender tudo isso falta informação, inteligência ou caráter?