8 de jun. de 2015

A arte entre Jesus e o Coelho



Quando nos deparamos com uma imagem como esta, pelo menos para aqueles com maior sensibilidade e empatia, nos sentimos desconfortáveis. A águia, um predador extremamente adaptado, voa livremente com altivez inquestionável. Envergadura adequada. Aerodinâmica... Mergulho perfeito. Garras afiadas e longas que penetram a carne da presa com facilidade. Bico resistente que golpeia certeiro. Pronto. O coelho está morto. Seu sangue passa a tingir, pouco a pouco, a pelagem que o adornava. Mas nem mesmo uma imagem como esta está livre de uma outra interpretação. A vida da águia. Fosse a águia um ser herbívoro, comeria plantas, mas não se trata disso. O que devemos nos questionar é por que não prestamos a devida atenção à vida da águia? Por que preferimos ver a morte do coelho? Talvez porque o coelho seja a caça. Porque ele passe a ideia de "indefeso"... Mais que isso! Porque a vida da águia depende de sua morte. Isso é cruel.

Estranho seria não fazer a mesma análise dura com a foto viralizada nas redes sociais em que uma mulher, travestida de Jesus, posou crucificada em plena Parada do Orgulho LGBT. Esta imagem tem, no mínimo, duas facetas, a dos que ofendem e dos ofendidos. Quão maior ironia não é ter de considerar uma "ofensa" que se relacione ao ícone do Cristianismo, pregador máximo do amor ao próximo. Mas é uma argumentação possível.

Sem conseguir fugir da "boa e velha" dicotomia, de um lado, religiosos - e não apenas fanáticos - irão ver na imagem uma ofensa grave, como se imbuído pelo rancor, o movimento LGBT fosse algoz, pagando com a mesma moeda que fora pago ao longo da história. Do outro, o Movimento expressando que sempre estivera na posição ocupada por Jesus quando do martírio, tanto quanto as mulheres, e por isso, ofendidos em uma sociedade que os julga e crucifica a todo instante.

Mas até aonde vai ou pode ir a arte? Onde está seu espaço? Penso, que, desde que a arte busque expressar pelo sentido e pelo significado, pelo subtexto, pelo contexto, deve o homem se colocar em um lugar de reflexão e não de vitimização diante do simulacro. Afinal, estamos falando de um opressor histórico. As igrejas cumpriram seu papel ao longo da história como mecanismo ferrenho de cerceamento de liberdades, quaisquer uma delas, e hoje, buscam se remodelar, não a toa. Se cada um dos fiéis seguidores do Cristo, como dizem ser, pensasse como ele, a ressonância de uma expressão artística dessas não teria qualquer conotação ruim. Ao contrário.

A incompreensão dos que veem somente a morte do coelho será a mesma dos que veem maldade na mulher travestida de Jesus na "Parada Gay". Mas ignorar a vida da águia seria o mesmo que ignorar as injustiças que temos imposto às minorias em nosso país (pelo menos).