14 de abr. de 2011

Clara por ter sido.

Quando ela falava nossos olhos brilhavam como estrelas e da mesma forma hoje, mas o brilho já não é mais o brilho que fora um dia, mesmo que os olhos ainda cintilem. Sua voz era firme, sensual, é claro que de uma forma estranha porque ao passo que ela nos seduzia com seus loiros e longos cabelos, sua pele macia e seios fartos me faziam acalentar o pensamento. E logo o sinal cortava todo e qualquer devaneio com seu grito de retorno à realidade.

- Crianças, não esqueçam da tarefa de casa. - Dizia a professora Clara, e como era clara. Dicção perfeita, andar calmo e contido dentro de seus sapatos de salto ligeiramente alto, que faziam suas pernas, por debaixo da saia, ficarem ainda mais desenhadas. E como era clara a distância entre nossas dimensões. Notava sua boa vontade ao nos desejar um excelente dia tocando nossos cabelos, e eu invejava cada segundo dos cabelos que não eram meus. E meus assobios de verdade não chegavam até ela, porque minha música falava mais à própria solidão que qualquer outra melodia um dia viria a falar.

O caminho para casa era longo, e as pegadas de meu caminho nunca saíram de lá. Faziam com que me lembrasse de cada passo e cada suplício rumo ao lar que nada me fazia querer estar lá. Paredes sombrias, pouca luz... Amarela. De tão amarela o meu medo se escondia nas frestas das portas entre-abertas. E os olhos, tão grandes que me fitavam à distância por toda parte. A fantasia se revelava ainda mais obscura na medida em que uma senhora cheia de amor vinha ao portão bem branco de grades enormes me receber com palavras de carinho.

- Até que enfim, meu filho. Seu pai já ia pedir para o motorista te buscar.

Meu silêncio perfeito acompanhado de um sorriso imaculado enfrentava agora os corredores intermináveis que significavam o labirinto que existia dentro de mim... E de repente, Clara. Lá estava ela. Abria a porta de meu quarto, corria, pulava na cama e tão rapidamente quanto saltava, sacava de minha mochila o caderno. Seu visto, sim, uma simples rubrica e os números que indicavam as páginas de um livro escritas pela mais bela caligrafia que eu já vira em vida. De forma surpreendente eu a desenhava em minha imagem e semelhança, altura, timidez, Clara era agora uma fantasia real, comparava-se a mim e de tão perto me assustava com o vento nas cortinas alvas que ventavam às janelas de meu quarto. Sentia sua respiração e entonação firmes quando fechava os olhos e via suas mãos doces afarem meus cabelos. E cada segundo interminável me alimentava a alma. Pegava o livro, fazia a tarefa e o prazer que me enchia os pulmões arrancava deles um suspiro de satisfação. O lanche estava à mesa.

Até que minha fortuna etérea tivesse fim carregada ralo abaixo por uma água cruel e morna. A água escorria e com as gotas eu sentia mãos e dedos duros que percorriam meu corpo e me faziam penar na tentativa de tirarem de dentro de mim qualquer resquício de felicidade que ainda me pintasse a recordação. E a luz de Clara se esvaía, e tudo tornava-se mais uma vez escuro. A empregada me ajudava a vestir o pijama para que tão logo eu fosse dirigido ao calabouço da liberdade, sim. Preso e livre das afrontas dos fantasmas que eu já não queria mais ver. Seus gemidos eram ouvidos a procurarem por minha presença, mas eu era mais veloz e só os escutava quando me espiavam da porta, lamentando terem chegado tarde. E então, as paredes sumiam e tudo mais uma vez se tornava claro, e quanto menos esperava, o sinal me rasgava o em susto o coração, e Clara, minha professora de português dizia sem pausa ou intenção...

- Parabéns, sua redação ficou linda.

Se ela soubesse o quão linda ficaram as linhas de minha escrita depois de sua passagem, ela jamais teria cometido tal crime sem antes se julgar culpada por ferir o futuro de um homem cujas imagens... já não se colorem mais.

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