28 de jul. de 2011

Coisa de mulherzinha

A cada dia conheço mulheres nos mais diversos campos de atuação. Elas ocupam funções antes jamais pensadas para o público feminino. Caixas de banco, gerentes de negócios, motoristas, entregadoras... Vi mulheres ocupando vaga de marinheiro e trabalhando à bordo de navios por dias, sem descanso. Não há mais praticamente nada que não façam.

É claro que algumas características femininas colaboraram para este estágio em que chegamos. Multitarefa, resistência à dor, visão familiar, a maneira como preferem não lidar com riscos altos, enfim, características que não são encontradas na maioria dos homens no mercado. Elas chegaram e chegaram com tudo! Talvez tenham escutado demais aquela frase na infância: isso é coisa de mulherzinha! Vamos brincar de casinha? - pediam. O homem, distante deste universo, perdeu a chance de aprender um pouco ao dizer não. E isto não é uma campanha para que os homens digam sim, é apenas uma constatação de que tabus a parte, se as mulheres conseguiram superar o trauma histórico do preconceito, se futebol com cerveja não é mais coisa de macho, nós homens precisamos fazer uma autoanalise para descobrir onde estamos errando.

Muito embora pareça, esta não é uma guerra dos sexos. Se a biologia explica que as fêmeas estão em maior número por serem mais adaptáveis ao ambiente, quem seremos nós ao contrariarmos Napoleão para entrarmos numa batalha perdida? Temos de aprender a lidar com isso e reconhecer a mulher como força motriz em nossa sociedade.

Porém cabe advertir: na mitologia grega somente uma entidade tinha o poder de julgar e condenar qualquer Deus à dor e à loucura, era "As Fúrias", ou seja, mulheres. Se de todas as espécies na natureza as fêmeas são sempre as mais perigosas, se existiu uma guerra dos sexos... É senhores, admitamos a derrota.

18 de jul. de 2011

Vidas e estradas

Senti sua fragrância como quem deita em uma cama quente e confortável, feita para a medida exata de um cochilo no fim de tarde, com o sol atravessando as cortinas, com vento fresco beijando os lençóis.

Olhei para seu riso gostoso, suas formas macias, seus cabelos levemente ondulados e pretos... Para seu imenso casaco de lã. Senti sua ansiedade madura, seu sono indevido e pensei estar em casa outra vez.

Possivelmente nunca mais ouvirei seu sotaque ao se lamentar das coisas da vida. Nunca mais lembrarei de seu rosto curioso. Não nos veremos mais. Mas o cheiro de roupa limpa permanecerá em minha lembrança como um pedaço gostoso de casa que foi parar naquela jovem senhora por engano. Um retrato em perfume... Um bem querer.

Meu ônibus chegou. O dela também.


14 de jul. de 2011

Cotidiano

Era manhã no Departamento de Polícia Federal quando uma senhora, no auge de seus 90 e todos de idade adentrou o recinto ajudada por uma mulher que parecia ser sua filha.

Silenciosamente a mulher, de meia idade, acomodou a senhora em uma das cadeiras da área de espera do atendimento e lá a senhora permaneceu quieta, muda, absolutamente imóvel. Sua pele já em muito castigada pelo tempo, suas mãos marcadas, suas roupinhas de vovó a faziam lembrar uma imigrante européia. Talvez fosse, pois ali também se realizavam atendimentos para estrangeiros.

Muito cautelosa, a senhora se movimentou finalmente. Virou o pescoço curtinho em direção a sua acompanhante, mas não olhou para ela e sua voz pode ser ouvida pela primeira vez:

- Em toda mi vida io nunca fui tão ofendida. - Dizia a senhorinha miúda com voz baixa e rouca com um sotaque levemente italiano.
- Nunca fiz um mal a ninguém e agora tenho que me apresentar a policía. Mio Senhor, mio Santo Antonio, dai-me coragem! Logo io que nunca matei una barata... A barata aparecia ali no canto da parede e io espantava, dizia "afasta-te baratinha", mas não, isso não conta.

A mulher que a acompanhava a repreendeu:
- Mamãe, já não falamos sobre isso? A senhora esqueceu?

Imediatamente a senhora se calou. Um minuto depois ela retomava o discurso muito desapontada e inconsolável. Desta vez, junto de suas palavras, gestos e mais gestos incontidos:
- Io só quero que fique bem claro que io nunca que fiz nada a ninguém, mia Nostra Senhora... Como é que podem fazer isso comigo que sempre fui tão boazinha... Não mereço isso! Olha como que io estou tremendo... Tenho medo de la policía. Io não fiz nada, estou parlando que no fiz, no fiz!

O aparente desespero daquela senhora provocou na filha um riso contido. Certamente ela não estava sendo acusada de nada. A velinha reclamava para si mesma, inconformada enquanto sua filha ria e olhava ao redor com certo ar de vergonha. Estava claro que se tratava de um daqueles rompantes de velhice, que aos sortudos, um dia há de chegar. Porém, as risadas contidas da filha se transformaram em gargalhadas contagiantes mediante o desespero de sua mãe. Mais e mais pessoas aderiram à grande piada. Em segundos, todos ali riam e não havia nada que pudesse ser feito para que a senhorinha se calasse. Em certo ponto chegava a dar pena. Talvez ela não estivesse entendendo o porquê de estar ali, e nem que os estranhos daquele lugar riam dela, mas em seu mundo, algo terrível estava para acontecer.

Não tardou até que um Agente Federal viesse para atendê-las. A senhora, ao olhar para ele baixou sua cabeça enquanto era erguida de seu lugar com a ajuda da filha e continuou a murmurar seus lamentos. A filha tentava conforta-la, porém era inútil. Ambas cruzaram a porta do atendimento e sumiram de nossas vistas.

Minutos depois, elas retornam. A senhora parecia um pouco mais aliviada, mas ainda decepcionada por ter sido levada à polícia. Então, cutucou a filha:
- Agora vamos embora?
-Sim, mamãe, vamos sim. Viu só? Eu não disse que não demoraria nada?
- Mas também, io disse que era inocente, io disse! Io nunca matei una barata... una formiga!

Enquanto falava, gargalhavam todos na sala, mais uma vez. A senhora repetia toda a história para si mesma durante a cena cômica, quando a filha deu o pior dos desfechos para a minha surpresa. Virou-se ela para todos da sala sinalizando que sua mãe estava louca. Movimentou os lábios sem emitir um som dizendo "ela está caduca, coitada". Os risos aumentaram, mas em mim um enorme silêncio se fez. A imagem daquela senhora pequenina, indefesa da malícia de todos e que estava entendendo pouco o que acontecia ao seu redor, de feições aflitas por pensar que todos ali poderiam vê-la como uma criminosa, cortava meu coração com pesar. Sua filha já cansada das aventuras da mente de sua mãe... Uma delegacia. Estranhos. Deve ser difícil acordar todos os dias e ver o mundo com olhos que só você possui. Sair do cotidiano normal e invetar um mundo só seu... Ou ser jogado dentro dele sem nem mesmo querer, e não ter alguém ao seu lado para partilhar isso ou pelo menos te tratar com respeito.

Eu sei que você nunca matou nem mesmo uma barata. Acalme-se, vai ficar tudo bem.