24 de ago. de 2015

Um tango para Alice

(Sinopse cantada)

Quando os corpos se encontram, se mexem e balançam
Se atiram no espaço, rodopiam, se encantam
Quando vertem suores, calores, olhares
E se nesses encontros teu corpo o sentido encontrares
Fazendo do espaço sua extensão, seu abrigo
Um palco, um chão, um passo, outros dois contigo
Não importa se aos pares, embriagados, tristes, inibidos
Se pássaros, borboletas, golfinhos, sê bichos
Na expressão mais antiga do amor, da aversão e da guerra
Abriga-se no homem, no intimo, no seio da terra
A dança, há uma dança por vez
No um, no dois, no compasso, nos três
Jorge, Henrique, Alice
Dança comigo um tango outra vez!

6 de ago. de 2015

Desligado

Sabe o que o cansava? Saber que a vida havia se transformado numa grande vitrine do vazio. Observava aqueles rapazes se exibindo na tela do computador de seu neto, sem entender quais "gatinhas" eles queriam conquistar daquela forma. Dizia que a liberdade dos tempos modernos era outra, muito maior e melhor que a de seu tempo. Mas que se o que aqueles moços queriam conquistar eram "gatinhos" ou o seu neto, ele, no lugar de qualquer um deles, não haveria de se interessar. Porque o que homens e mulheres querem está enraizado no fundo da alma, refletido nas curvas sinuosas do cérebro. Dito e não dito por palavras que se ouvem ou escondem de nós. Desenhado no olhar, em nossas digitais. Respirava fundo, ele, cuja cabeça havia sofrido de um upgrade inesperado, palavra que sequer saberia pronunciar. Morreu de desgosto aos 80 anos por constatar que a vida se tornou chata, sem gosto... Porque hambúrgueres não o alimentavam, roupas caras não lhe enchiam os olhos, porque não tinha mais com quem dividir as coisas importantes da vida já que nenhuma delas recebia preço e tinha seu valor atual negado. Morreu assim... de graça e a custo zero. Ao seu enterro, só os chegados compareceram. Mas a notinha de jornal ao longo de uma semana recebera mais de 1k de "likes" de desconhecidos que o dedicaram palavras pomposas em seus comentários, belas expressões da língua que nunca chegariam até ele, já que a tecnologia os privou do contato. Já que soavam ridículas demais para sua alma velha e cansada exibir como lembrança do que nunca viveu.

8 de jun. de 2015

A arte entre Jesus e o Coelho



Quando nos deparamos com uma imagem como esta, pelo menos para aqueles com maior sensibilidade e empatia, nos sentimos desconfortáveis. A águia, um predador extremamente adaptado, voa livremente com altivez inquestionável. Envergadura adequada. Aerodinâmica... Mergulho perfeito. Garras afiadas e longas que penetram a carne da presa com facilidade. Bico resistente que golpeia certeiro. Pronto. O coelho está morto. Seu sangue passa a tingir, pouco a pouco, a pelagem que o adornava. Mas nem mesmo uma imagem como esta está livre de uma outra interpretação. A vida da águia. Fosse a águia um ser herbívoro, comeria plantas, mas não se trata disso. O que devemos nos questionar é por que não prestamos a devida atenção à vida da águia? Por que preferimos ver a morte do coelho? Talvez porque o coelho seja a caça. Porque ele passe a ideia de "indefeso"... Mais que isso! Porque a vida da águia depende de sua morte. Isso é cruel.

Estranho seria não fazer a mesma análise dura com a foto viralizada nas redes sociais em que uma mulher, travestida de Jesus, posou crucificada em plena Parada do Orgulho LGBT. Esta imagem tem, no mínimo, duas facetas, a dos que ofendem e dos ofendidos. Quão maior ironia não é ter de considerar uma "ofensa" que se relacione ao ícone do Cristianismo, pregador máximo do amor ao próximo. Mas é uma argumentação possível.

Sem conseguir fugir da "boa e velha" dicotomia, de um lado, religiosos - e não apenas fanáticos - irão ver na imagem uma ofensa grave, como se imbuído pelo rancor, o movimento LGBT fosse algoz, pagando com a mesma moeda que fora pago ao longo da história. Do outro, o Movimento expressando que sempre estivera na posição ocupada por Jesus quando do martírio, tanto quanto as mulheres, e por isso, ofendidos em uma sociedade que os julga e crucifica a todo instante.

Mas até aonde vai ou pode ir a arte? Onde está seu espaço? Penso, que, desde que a arte busque expressar pelo sentido e pelo significado, pelo subtexto, pelo contexto, deve o homem se colocar em um lugar de reflexão e não de vitimização diante do simulacro. Afinal, estamos falando de um opressor histórico. As igrejas cumpriram seu papel ao longo da história como mecanismo ferrenho de cerceamento de liberdades, quaisquer uma delas, e hoje, buscam se remodelar, não a toa. Se cada um dos fiéis seguidores do Cristo, como dizem ser, pensasse como ele, a ressonância de uma expressão artística dessas não teria qualquer conotação ruim. Ao contrário.

A incompreensão dos que veem somente a morte do coelho será a mesma dos que veem maldade na mulher travestida de Jesus na "Parada Gay". Mas ignorar a vida da águia seria o mesmo que ignorar as injustiças que temos imposto às minorias em nosso país (pelo menos).

3 de mai. de 2015

Sons e Cores

Batiam lhe as ondas de um mar revolto
Castigando em mares de sal e esgoto
As costas amargas de praias assim,
Donde nadam golfinhos, gente, tartarugas
Num tempo em que o próprio tempo exibe suas rugas
De uma vastidão ímpar sem fim

Até que a tarde findasse em festas de luzes
As horas em frestas pintando o mar em cardumes
De cores, canções, lixo e viveiros humanos
Ou até quem sabe, meu olhos, as vistas se turvem
Pelos grãos de areia, o verde, nas nuvens 
Guarda sois, latões, amores, paixões e enganos.

Na sonora e tardia harmonia
A voz de que mais me valia
Surgia do esforço de dias assim
Coloridas de mares, céus e sorrisos
Do fundo, daquilo que mais preciso
O tudo que em minha volta foi feito pra mim.

27 de abr. de 2015

Nota de empenho

Sem dor, sem medo
No seio da vida, na poeira
Carrega o homem um segredo
dos que calam, inaudíveis
a ouvidos sensíveis
Sem espaço, sem zelo
no girar das horas
Por dias inquietantes
passa o homem adiante
suas verdades quase tortas.
Sem tempo de se-lo
Adormece por fim no escuro
por não saber ceder,
não saber amar,
não ter cuidado,
Onde não precisa pedir,
não precisa guardar,
não é arriscado.
Pode ser bicho, ser fera
ter qualquer segredo enfadonho
Que noutro lugar, ao seu lado
ou no fundo da alma
onde reinam fantasmas
nem secretamente
ele será cobrado.

13 de abr. de 2015

Saudadezinha

Si avuá fôssi tarefa minha
nem brilho d'esterlinha ieu inha invejá
Purque si cortava as núvi
Das árvri as copa, os cume
paricendo uns vagalume ieu inha praná
Pr'alumiá as foresta,
Nas frozinha umas cesta tirá
o hoje qui só é festa, de canção e seresta
e o qui mi resta, é qui vo mi acabá!

23 de mar. de 2015

Nó que não desata

Uma luz, um traço
Um porquê em tudo o que faço
Um amor, uma trégua
De repente a vida te leva
Do chão não sobra nada
Voar não posso. Vida ingrata

4 de fev. de 2015

O Brasil e a síndrome da bem-nascença

As eleições de 2014 deflagraram um fenômeno jamais antes visto entre os brasileiros. Durante todo o processo em que os partidos políticos deveriam apresentar suas propostas de gestão à população eleitora, o que se viu foi um show de verdades e inverdades, realidades parciais, uma virtualização do confronto de ideias que só fora possível graças ao advento das mídias sociais. A opinião expressa de qualquer jeito, sem cuidado ou parcimônia e com pressa, trouxe uma nova conotação ao direito da liberdade de expressão. A distorção atingiu níveis tão elevados que oportunamente trouxe a bipolarização ao país. De um lado, uma proposta de apelo popular que visa políticas públicas de combate à extrema pobreza e redução das disparidades sociais. De outro, uma proposta de apelo empresarial cuja visão pragmática de gestão vê no capital, mesmo que privado, a solução para os velhos problemas estruturais brasileiros. Contudo, nossa cultura da cordialidade, que nos permite disfarçar posicionamentos políticos, ideológicos, futebolísticos e religiosos foi testada. O muro não era mais feito de tijolos deitados. Ou se caía para um lado ou para o outro. Poucos conseguiram manter-se de pé nesta parede tão frágil, sobrevivendo às pedradas atiradas de ambos os lados.
Diante deste quadro inédito, os brasileiros se exaltaram. Mas o fizeram muito mais pelo desespero de ter de escolher e de ter de manifestar opinião sobre um assunto tão sério que necessariamente pelo que estava em jogo. Viram-se obrigados a expor suas razões e certezas, correndo o risco de serem fortemente julgados por isso, da mesma forma com que postam suas selfies. Era o início da pessoalização da política. O senso de responsabilidade que pesou por sobre os ombros de um povo cujos costumes não apontam para a autogestão, para o empoderamento e o controle social da forma como as democracias almejam, acabou por construir um verdadeiro campo de batalhas. O país se dividiu sim, notadamente entre pobres e ricos. Os ricos, alegando que os pobres são limitados intelectualmente e ignorantes, utilizando-se do saudoso termo (já fora de moda) “massa de manobra” ao referenciá-los como beneficiários de programas sociais que seriam em verdade – outro saudoso termo – “votos de cabresto”. Os pobres, por sua vez, atribuindo as mesmas características aos seus opositores, argumentavam à sua maneira, que dividir riquezas é mesmo um processo doloroso e que hoje podem colocar comida na mesa.

O mais interessante, porém, é notar que em um país cujas disparidades sociais históricas apontam para um percentual muito pequeno de ricos em contraponto a um percentual tão grande de pobres, nem todos os que defendiam os pobres eram tão pobres, e nem todos os que defendiam os ricos eram de fato ricos. Na verdade, o que se observou foi que um grande número de pertencentes à classe média pendeu a balança para os ricos, como se ricos fossem, fazendo com que o resultado desta eleição histórica fosse tão apertado. A este fenômeno chamo de síndrome da bem-nascença.
Sofrem da síndrome todos os recém-empossados da classe média que saídos das universidades públicas foram bem sucedidos na iniciativa privada, todos os cidadãos com dupla cidadania, todos os herdeiros de negócios (ou monopólios) familiares, estudantes de carreira cujas famílias foram capazes de custear seu ensino superior, todos os que se reconhecem no Leblon do Rio de Janeiro ou nos Jardins de São Paulo, mas são moradores de periferias. Estes brasileiros e brasileiras possuem convicções tão profundas sobre quem deveriam ser que negam a história, imaginam realidades, criam supostas verdades e disseminam a intolerância nos mais variados campos, porque tem seus argumentos facilmente combatidos ou não veem sua vontade adolescente sendo reafirmada por todos os que dela discordam. São contra as minorias, mesmo fazendo parte de algumas delas, e sempre que são confrontados com assuntos de extrema relevância social acreditam existir questões mais prementes a serem debatidas como a queda da bolsa ou o preço do dólar, do contrário perdem o interesse no embate e ainda ameaçam a sair do país quando veem seu conforto ser questionado. Acreditam que a justiça se faz com dinheiro e força, que pobres não devem frequentar seus espaços e que a cultura os pertence com exclusividade. Exclusividade que os coloca num patamar acima do "resto", quer seja pelas roupas que vestem ou acessórios que usam, mesmo que seus pais lhes tenham pagado, ou que ainda não tenham quitado as prestações do cartão, tudo, é claro, sem que seja preciso divulgar.

De 1964 a 2002, ou seja, na história recente do Brasil, o povo experimentou governos ou autoritários de direita ou apenas de direita em caráter ensaístico, cuja ideologia embora pautada no desenvolvimento e com bases democráticas desconsiderava o alto preço social a ser pago ou até mesmo a corrupção existente (corrupção aceita tal qual “o jeitinho brasileiro”). O país da “farinha pouca meu pirão primeiro” experimenta, há pouco mais de 10 anos, outra forma de se pensar a política. Sem fazer juízo de valor, é o que é. As bases de cunho social que governam o país nos últimos anos visam uma melhor distribuição de renda, o fim da extrema pobreza e da fome, o acesso aos bens de serviços e consumo, e como qualquer governo que já tenha existido na Terra possui erros e acertos. Obviamente que esta forma de conduzir a política, desagrada a quem gostaria de fazê-la de outra maneira, é perfeitamente natural e aceitável, e por que não dizer, saudável já que em democracias as ideias contrárias deveriam produzir novas soluções – mesmo que híbridas – para os problemas da sociedade.

O que me assusta, pessoalmente, é que diversas pessoas estejam apresentando esta síndrome da bem-nascença justamente no momento em que deveriam preocupar-se com sua participação social, com a contribuição que deveriam dar ao Brasil. Cidadania é mesmo um conceito complexo de se compreender do qual poucos se apropriam, mas me parece a chave para curar os brasileiros de alguns males, em especial este que evidencio.


Das críticas ao governo

Dentre os muitos erros deste governo que aí está encontramos a falta de diálogo com a população, números mal explicados na economia, baixíssimo investimento industrial, balança comercial desfavorável e, consequentemente, crescimento estagnado. Cada um desses problemas possui causas estruturais, internas, e reflexos ou causas externas que nos obrigam a analisar – para uma análise não-isenta, porém mais próxima do real – o contexto internacional e histórico em que se apresentam. Esta análise nos renderia inúmeras páginas e referências bibliográficas em horas de leitura e não é o objetivo deste texto, contudo, não podemos nos furtar de reconhecer que outra gestão traria as marcas históricas de seu partido, suas coligações, características, alinhamento ideológico, traços já conhecidos pelo povo brasileiro cujo extrato social não é de ricos, menos ainda de cidadãos que sofrem da síndrome da bem-nascença. Acreditar então que o governo eleito não poderá ser novamente alvo dessas críticas soa leviandade disfarçada de inocência. Acreditar que um possível novo governo seria diferente do que já demonstrou ao longo da história soa inocência disfarçada de ignorância.