6 de ago. de 2015

Desligado

Sabe o que o cansava? Saber que a vida havia se transformado numa grande vitrine do vazio. Observava aqueles rapazes se exibindo na tela do computador de seu neto, sem entender quais "gatinhas" eles queriam conquistar daquela forma. Dizia que a liberdade dos tempos modernos era outra, muito maior e melhor que a de seu tempo. Mas que se o que aqueles moços queriam conquistar eram "gatinhos" ou o seu neto, ele, no lugar de qualquer um deles, não haveria de se interessar. Porque o que homens e mulheres querem está enraizado no fundo da alma, refletido nas curvas sinuosas do cérebro. Dito e não dito por palavras que se ouvem ou escondem de nós. Desenhado no olhar, em nossas digitais. Respirava fundo, ele, cuja cabeça havia sofrido de um upgrade inesperado, palavra que sequer saberia pronunciar. Morreu de desgosto aos 80 anos por constatar que a vida se tornou chata, sem gosto... Porque hambúrgueres não o alimentavam, roupas caras não lhe enchiam os olhos, porque não tinha mais com quem dividir as coisas importantes da vida já que nenhuma delas recebia preço e tinha seu valor atual negado. Morreu assim... de graça e a custo zero. Ao seu enterro, só os chegados compareceram. Mas a notinha de jornal ao longo de uma semana recebera mais de 1k de "likes" de desconhecidos que o dedicaram palavras pomposas em seus comentários, belas expressões da língua que nunca chegariam até ele, já que a tecnologia os privou do contato. Já que soavam ridículas demais para sua alma velha e cansada exibir como lembrança do que nunca viveu.

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