O certo, é que nossa história é a
simples síntese das nossas decisões e posicionamentos, e, é claro, suas
consequências diretas e indiretas. É o resultado da equação indivíduo-tempo. E
como nada há de ser eterno neste estado de coisas, a equação sofre com as
variáveis que a compõe ao longo da jornada.
A pieguice do tema, no entanto,
não está na concepção da autoajuda, está na reedição, na recorrência, na
necessidade de se pensar o óbvio mais uma vez. A pieguice está onde falta bom
senso, onde sobram frases feitas. E é nos braços da obviedade, quando nos falta
o bom senso, que reinventamos o conceito do virar a página.
Do simples esquecimento ressentido
para a lembrança politicamente correta. Virar a página é reflexo do desapego
que praticamos ao identificarmos o que nos desrespeita, aquilo que nos incomoda
como indivíduos. Nunca foi tão difícil dizer não. Puro, simples. Um não
transforma. Muitos nãos transformaram a história. Por que não a nossa? Porque
tememos a reação que ele causa. Porque estamos intolerantes, hipócritas e
dementes daquilo que o mundo deveria ser. Diante de tantas crises, indispor-se
com as opiniões divergentes que encontramos no convívio social parece tão
pequeno que nem nos damos conta de que somos, na dimensão micro, o efeito real
desses impactos maiores. É a omissão de hoje, tal qual a bolinha de papel que
entope o sistema de dragagem quando acumulada às demais, que resulta na
vertigem coletiva que sentimos e fingimos não ver. Nos idiotizamos porque é
mais bonito. É mais fácil. Então, justificando a Era do gostar de tudo, perseguindo
o ideal do cidadão de bem, vemos a crescente resistência ao respeito, porque
vivemos a falácia do Procon generalizado. O "eu te processo" no
desconforto diário é a crítica ao politicamente incorreto às avessas da opinião
verdadeira. A intolerância é a autoafirmação da mesquinhez humana quando,
sufocado, o egoísmo se liberta.
Por tanto, virar a página é
absolutamente recomendável, natural e salutar. A lembrança é a triagem inicial
da memória. Merece ser armazenado, o que, dentro de seu valor arbitrário, tem
importância nas páginas de sua história. Uma vez que o conteúdo não atenda aos
requisitos da felicidade, da superação ou de qualquer outro valor ou objetivo
que lhe sirva de condutor, deve ser ignorado e plenamente esquecido. Mas o
processo é maior do que se compreende. É preciso destruir qualquer alternativa
de retorno, e isto significa coragem para enfrentá-lo. Porque se as decisões
que tomamos são de nossa responsabilidade, não será o tempo que se
responsabilizará por elas, muito menos a vida. O que nos falta é a coragem e o
discernimento para executar de uma vez os fantasmas que ocupam espaços
preciosos na memória. Sem perceber, tornam-se lembranças indesejadas, feridas
abertas que florescem sem aviso prévio.
Vire você também as suas páginas.
Nosso objetivo principal é a felicidade independente de como a concebemos, e
esta só será possível ser plantada na terra fértil da mente, quando arrancarmos
de lá as ervas daninhas que impedem seu crescimento.
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